LABBOR e MDBio recebem importante coleção de Lepidoptera

 

por Junia Yasmin & André Freitas
Dezembro de 2021

Nosso presente de Natal chegou mais cedo este ano!!!

O LABBOR e o Museu de Diversidade Biológica do IB-UNICAMP (MDBio) receberam uma doação muito especial: a coleção de borboletas do Prof. Carlos Eduardo Guimarães Pinheiro, que recentemente se aposentou pelo Departamento de Zoologia do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB). O material inclui:
• espécimes do Cerrado e da Amazônia, coletados entre a década de 70 e 2018;
• coletas do Dr. David R. Gifford, geólogo de profissão mas “borboletólogo” de coração, que contribuiu muito para o conhecimento da fauna de borboletas do Cerrado; e
• exemplares de Parides ascanius, espécie ameaçada de extinção que ocorre nas restingas dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.
• exemplares de importantes áreas de conservação do cerrado como a APA Do Gama e Cabeça de Veado, Parque Nacional de Brasília, Estação Ecológica de Águas Emendadas, Parque Estadual Da Serra de Caldas Novas, Chapada dos Veadeiros e Chapada dos Guimarães.

Da esquerda para direita: <em>Heliconius erato amazona</em>, miscelânia de Ithomiini e <em>Bia</em> sp.

Da esquerda para direita: Heliconius erato amazona, miscelânia de Ithomiini e Bia sp.

O recém-chegado LABBOReiro Ricardo Siewert e o biólogo do MDBio Jean Carlo Mari Fanton, junto com o motorista da UNICAMP Carlos Alberto Lima, saíram de Campinas (SP) e foram até Brasília (DF) buscar a coleção, que foi realocada das 156 caixas originais para 96 caixas entomológicas com ajuda de Millena Castro, estagiária do Departamento de Zoologia da UnB.

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Da esquerda para direita: Ricardo, Jean e Millena no Departamento de Zoologia da UnB; Ricardo e Jean conhecendo a coleção do Prof. Carlos Pinheiro; e as caixas em que foi transportada a coleção, de Brasília até Campinas.

 

A viagem

Mais de 900 quilômetros separam a UNICAMP da UnB. Depois de 11 horas de viagem de carro, sinais de que estavam chegando à Brasília: “um montão de emas nas plantações de soja e milho!!! E vimos duas curicacas no meio do plano piloto, em pleno trânsito!” relata Jean.

Foram necessários dois dias inteiros para transferir as borboletas e mariposas das caixas originais para as caixas de transporte, e outras 12 horas de viagem para o material ser recebido de braços abertos pelo LABBOR e pelo MDBio. Agradecemos a confiança do Prof. Carlos Pinheiro ao nos convidar para sermos os novos fiéis-depositários dessa coleção tão representativa da região do Cerrado e da Amazônia. Agregamos, assim, centenas de espécimes importantíssimos à nossa Coleção de Lepidoptera, que conta hoje com mais de 20 mil exemplares de borboletas e mariposas do Brasil e do mundo (de um total de mais de 200.000 em envelopes, aguardando para serem montados), sendo uma das maiores e mais importantes do Brasil.

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Millena e Jean transferindo as borboletas para as caixas de transporte.

 

Professor Carlos Pinheiro

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Carlos Pinheiro formou-se em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1979, obteve o título de Mestre em Ecologia pela UNICAMP em 1987 e de Doutor em Zoologia (Comportamento Animal) pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, em 1998. Desde 1987, esteve vinculado à UnB como Professor e Curador da Coleção Entomológica de Lepidoptera do Departamento de Zoologia, onde se aposentou em 2019. Dedicou sua vida acadêmica ao estudo de comportamento, ecologia, diversidade e conservação de insetos, especialmente borboletas do Cerrado e o papel da coloração desses insetos para sua defesa.

Coautores em um artigo em 2014 e outro em 2016, Carlos Pinheiro e André Freitas defendem que o mimetismo de escape é bastante comum em borboletas. Mimetismo é um tipo de defesa em que espécies (miméticas) conseguem evitar predadores visualmente orientados por imitar alguma característica de uma outra espécie (modelo). Classicamente, a espécie-modelo tem um sabor ruim para o predador e a espécie mimética, de sabor bom, “se disfarça” da espécie ruim para não ser reconhecida como um alimento bom. No caso do mimetismo de escape em borboletas, o padrão de cores das asas indica aos predadores se elas são difíceis de serem capturadas, e eles, assim, deixam de persegui-las.

A novidade no artigo de 2016 é a descrição de um tipo de mimetismo de escape no qual uma espécie de borboleta de sabor ruim (Parides anchises nephalion) imita uma borboleta de sabor bom (Heraclides anchisiades capys), ao contrário do que é previsto na teoria clássica de mimetismo. Em entrevista ao Jornal da UNICAMP, André Freitas comenta que, pela primeira vez, foi sugerido que uma espécie de sabor ruim (impalatável) pode imitar uma de sabor bom (palatável), algo nunca relatado na literatura científica. “Ela quebra o paradigma do mimetismo. (…) Isso não invalida o que foi feito antes, mas mostra que essa questão envolvendo a sobrevivência tem mais complexidade do que nós imaginávamos”, considera.

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A dedicação de Carlos Pinheiro ao estudo de campo, com foco em predação de aves e mimetismo de escape, permitiu repensar a clássica teoria do mimetismo ao unir suas observações da natureza ao conhecimento de evolução das espécies miméticas e de biologia de populações de André Freitas. Ainda há muito para conhecer sobre o comportamento e história natural dos organismos à nossa volta, mesmo os mais comuns. Assim, em tempos em que a genômica e a modelagem se destacam, é muito importante conhecer mais sobre o que as borboletas fazem, o que comem, como se deslocam no ambiente, e como vivem. Informações biológicas básicas sobre as espécies são fundamentais para aplicar e interpretar os resultados de ferramentas genéticas, ecológicas e biogeográficas mais complexas.