Miranda-Melo, A.A., Santos, F.A.M. &
Martins, F.R. 2003. Variação espacial da estrutura populacional
de Xylopia aromatica e Roupala montana em fragmentos
de cerrado. Anais do VI Congresso de Ecologia do Brasil 1: 382-383.
Resumo expandido:
1-Introdução
A vegetação de cerrado do estado de São Paulo
não foi exceção dentro da realidade histórica
de substituição da cobertura vegetal, restando hoje
algumas áreas de cerrado disjuntas, que sobreviveram a ações
antrópicas. Tal ação atua como agente de perturbação
sobre a vegetação, resultando na fragmentação
do cerrado, antes mesmo que se conheçam os processos ecológicos
envolvidos nesta fisionomia, e em transformações em
sua estrutura e nos processos de regeneração, sendo
uma das principais causas da extinção de espécies.
A caracterização do ambiente, juntamente com estudos
de estrutura de tamanho e/ou de estádios ontogenéticos
são um dos primeiros passos no sentido de compreender quais
fatores influenciam os processos populacionais, a regeneração
e as perturbações em um determinado local. A caracterização
das espécies e dos fatores que influenciam sua dinâmica
populacional, precisam levar em consideração possíveis
variações espaciais na estrutura populacional. Desse
modo, análises da estrutura populacional em áreas diferentes
são necessárias, pois ajudam a entender se as estruturas
descritas são resultados de perturbações passadas,
ou de um desvio na composição, não relacionada
a distúrbios (Manokaran & Kochummen 1987). Diferenças
na taxa de mortalidade, crescimento e recrutamento podem ser atributos
da espécie per se, ou resultantes de diferenças nas
condições ambientais impostas a uma população
(Swaine et al. 1987). Alguns autores têm observado que uma mesma
espécie pode apresentar diferenças na estrutura de tamanho
em diferentes formações e entre locais dentro de uma
mesma formação. Assim, considerando- se fragmentos diferentes
em relação à cobertura vegetal, ao histórico
de perturbação, e à pressões externas,
podemos esperar diferenças na estrutura populacional de uma
espécie, entre fragmentos. Este estudo avaliou a variação
espacial da estrutura populacional de duas espécies, Xylopia
aromatica (Lam.) Mart (Annonaceae) e Roupala montana
Aubl. (Protaceae), entre fragmentos de cerrado semelhantes quanto
ao clima e formação vegetal, mas com diferentes fisionomias
e históricos de perturbação e entre áreas
de cerrado com fisionomias semelhantes dentro de um mesmo fragmento.
Além disso, de acordo com Hoffmann (1998), Roupala montana
apresenta propagação vegetativa, ao contrário
de Xylopia aromatica. Diante disso, espera-se que existam
diferenças na estrutura populacional entre as espécies
em uma mesma área, pois o tipo de reprodução
adotada por uma espécie pode gerar diferenças na estrutura
populacional.
2- Métodos
O estudo foi realizado em quatro fragmentos de cerrado, denominados
de Valério, Broa, Estrela e Fepasa, na microrregião
de Itirapina (SP) (22º 15’ S; 47º 48’ W). Os
fragmentos apresentam fisionomias que variam de cerrado ralo (Estrela),
a cerrado stricto sensu (Broa e Fepasa) e cerrado denso (florestal)
(Valério), estando submetidos a diferentes impactos antrópicos,
principalmente queimadas freqüentes, extração de
resina e corte de Pinus sp, extração
por raizeiros e pastejo pelo gado, estando submetidos a pressões
externas diferenciadas, como reflorestamento de Pinus sp
(Valério), atividades agropastoris (Broa), plantios de laranja
(Estrela), ou estando localizado dentro do distrito industrial do
município (Fepasa). Em cada fragmento foi instalada uma grade
de 50 x 100 m, subdividida em 200 parcelas contíguas de 5 x
5 m, totalizando 0,5 ha. Para a análise das áreas com
fisionomias semelhantes dentro de um mesmo fragmento, no Valério
foram amostradas 3 áreas demarcadas como acima (denominadas
Valério 1, 2 e 3), separadas por uma distância que variou
de 500 a 900 m. Em cada parcela foram marcados todos os indivíduos
com diâmetro do caule no nível do solo (DAS) superior
ou igual a 3 cm. Em uma parcela de 1 m², sorteada dentre os vértices
de cada parcela de 25 m², foram marcados os indivíduos
com DAS menor que 3 cm. No período de julho a setembro de 2002,
foram registradas, uma única vez, a altura total e o DAS de
todos os indivíduos marcados. Os estádios ontogenéticos
identificados foram plântula (PL), jovem 1 (J1), jovem 2 (J2),
imaturo (IM), adulto vegetativo (AV) e adulto reprodutivo (AR). A
estrutura populacional foi analisada por meio da distribuição
de freqüência dos indivíduos em cada estádio
ontogenético. As distribuições de estádios
ontogenéticos entre os fragmentos e entre as espécies
foram comparadas através de testes de Kolmogorov- Smirnov (Zar
1999), com correções de Bonferroni para testes seqüenciais
(Rice 1989). Além disso, foram feitas análises comparando
as hierarquias de tamanho (Weiner & Solbrig, 1984) entre as áreas
de estudo, utilizando-se o programa WINGINI versão 2.0 (Flavio
A. M. Santos). Para se ter uma medida de perturbação,
foram feitas entrevistas com funcionários do Instituto Florestal
e com moradores de Itirapina e estimou-se a porcentagem de indivíduos
das duas espécies com rebrotas em cada fragmento e em cada
estádio ontogenético.
3- Resultados
As três áreas do Valério apresentaram maior densidade
total de Xylopia (2682 no Valério 1, 9642 no Valério
2 e 10612 ind/ha no Valério 3), enquanto o Fepasa apresentou
a menor, com cerca de 12 vezes menos indivíduos. Nas três
áreas do Valério, Xylopia apresentou maior
proporção de jovem 2, embora com diferenças entre
as três áreas. No Valério 1, a proporção
de J2 foi 7 vezes maior que de J1 e 1,7 vezes maior que de IM. No
Valério 2, a proporção de J2 foi 2,2 vezes maior
que de J1 e 2,3 vezes maior do que de IM. No Valério 3, a área
a que apresentou a menor proporção de J2, esta foi 1,5
vezes maior que a de J1 e 1,3 vezes maior que a de IM. Xylopia,
no Broa, apresentou predomínio de jovens 1, com cerca de 60%
dos indivíduos nesse estádio, enquanto no Estrela e
no Fepasa as proporção de J1 e J2 foram similares (cerca
de 43% de J1 e 36% de J2 no Estrela e 48% para ambos no Fepasa). Nesses
dois últimos fragmentos, os números médios de
J1 por AR foram os maiores, com 13,64 J1 por AR no Estrela e 16,67
no Fepasa, sem que nenhum AV e poucos IM (16,5% no Estrela e 0,9%
no Fepasa) tenham sido amostrado nesses fragmentos. As distribuições
de estádios ontogenéticos de Xylopia diferiram
entre os fragmentos (p< 0,01), exceto entre o Estrela e o Fepasa
(Dmáx = 0,15; p > 0,05). A distribuição de
estádios ontogenéticos de Roupala no Valério
1 diferiu daquela no Broa (Dmáx = 0,32 p < 0,01). A mesma
espécie apresentou a maior freqüência de jovens
1 (80% contra 47%) e o maior número médio de J1 por
AR, cerca de 80 vezes maior no Valério 1 do que no Broa. Entre
as espécies, na área do Valério 1, Roupala
apresentou aproximadamente 4 vezes mais indivíduos, maior proporção
de J1 (80% contra 7,5%) e maior número médio de J1 por
AR (cerca de 323 vezes maior) do que Xylopia. As distribuições
de estádios diferiram entre as espécies (Dmáx
= 0,73, p < 0,01). No Broa, as densidades foram bem menores (1164
ind/ha de Xylopia e 1680 ind/ha de Roupala) do que
no Valério 1 (2682 ind/ha de Xylopia e 10700 ind/ha
de Roupala). No Broa, apesar de ambas espécies apresentarem
maior proporção de indivíduos J1 do que dos demais
estádios, Xylopia apresentou 1,3 vezes mais J1, 1,7
vezes mais IM e 2,7 vezes menos J2 do que Roupala. As distribuições
de indivíduos nos estádios ontogenéticos entre
essas espécies diferiram (Dmáx = 0,12, p < 0,01).
As distribuições de tamanho diferiram entre as espécies
e entre fragmentos para ambos os descritores de tamanho (p < 0,001),
no entanto, as comparações dos coeficientes de Gini
para o parâmetro diâmetro em Xylopia mostraram
menos diferenças entre as hierarquias. Os coeficientes de Gini,
para o descritor diâmetro, variaram de 0,61 a 0,73 para Xylopia
e de 0,58 a 0,62 em Roupala e para o descritor altura, de
0,53 a 0,65 para Xylopia e de 0,54 a 0,55 para Roupala.
Ocorreu alta porcentagem de rebrota, principalmente nas áreas
do Valério e do Broa para Xylopia (entre 31,7% e 46,8%) e no
Broa para Roupala (39,4%). O fogo ocorre com freqüência
nos fragmentos do Broa, Estrela e Fepasa (com. pess. moradores de
Itirapina/SP). Já nas áreas do Valério, a última
ocorrência de fogo foi há dezoito anos, afetando principalmente
a área do Valério 2 (com. pess. Instituto Florestal).
Também foi documentada a ocorrência de uma forte geada
no ano de 1995 e a presença constante de gado no Fepasa (com.
pess. moradores de Itirapina/SP e Instituto Florestal). Por fim, através
dessas informações pode-se inferir uma medida do nível
de perturbação, o qual indica que as áreas do
Valério, principalmente o Valério 1, são menos
perturbadas do que os fragmentos do Broa, Estrela e Fepasa. E entre
esses, o último é o mais perturbado.
4- Discussão
A predominância de diferentes estádios e as diferentes
proporções entre estádios geraram estruturas
populacionais diferentes que podem ter sido influenciadas pela própria
característica das fisionomias em questão, que variam
de cerrado ralo a cerrado denso (florestal), pelo histórico
de perturbação e por diferentes tipos de reprodução,
com Roupala apresentando propagação vegetativa
e Xylopia não. As condições de luminosidade
são essenciais na fase inicial de crescimento, principalmente
para espécies intolerantes à sombra, como Xylopia
e Roupala (Almeida et al. 1998). Assim, as fisionomias de
cerrado mais denso, principalmente o Valério 1, parecem estar
associadas a uma maior a proporção de indivíduos
de Xylopia em estádios intermediários, enquanto
que nas fisionomias mais abertas, como no Broa, no Estrela e no Fepasa,
ocorrem maiores proporções de indivíduos das
duas espécies em estádios iniciais. Segundo Khan et
al. (1987), em áreas mais abertas e/ou perturbadas espera-se
maior recrutamento dos estádios iniciais, devido à ocorrência
de um grande número de microssítios favoráveis,
gerados pela perturbação, aumentando a germinação
e as chances de estabelecimento de plântulas, devido ao aumento
da radiação solar incidente e o conseqüente aumento
da temperatura, além da redução na competição
com árvores estabelecidas. O fogo também tem um importante
efeito na demografia de plantas lenhosas do cerrado através
do seu impacto na sobrevivência, no crescimento e na morte de
biomassa aérea (Hoffmann & Solbrig 2003). Este tipo de
perturbação age reduzindo a dominância de plantas
estabelecidas e aumenta a disponibilidade de recursos para plântulas,
além de remover serrapilheira e húmus, que podem agir
como barreiras para o estabelecimento de plântulas (Hoffmann
1998). Como resultado disso, freqüentemente se observa que após
uma perturbação, ocorre aumento no estabelecimento e
crescimento de plântulas, diminuição na taxa de
recrutamento e aumento na mortalidade de plantas juvenis. Isso parece
ter ocorrido com Xylopia nos fragmentos onde o fogo ocorre
freqüentemente, principalmente no Estrela e no Fepasa. A ocorrência
de uma forte geada em 1995, pode ter ocasionado morte da parte aérea
e posterior rebrotamento dos indivíduos, sendo, possivelmente,
o fator responsável pela alta proporção de rebrotas,
o que parece ter influenciado as distribuições de tamanho,
principalmente a distribuição de diâmetro em Xylopia.
A presença de gado no fragmento Fepasa, provavelmente é
responsável pela baixa densidade e menor proporção
dos indivíduos dos estádios intermediários a
tardios em Xylopia, pois o gado geralmente tem um efeito
negativo na taxa de recrutamento, levando ao aumento na mortalidade
de juvenis (entre 1-3 m de altura) (Tiver et al. 2001). A propagação
vegetativa em Roupala pode levar a espécie a garantir
a sua permanência no ambiente, afetando a dinâmica de
regeneração da vegetação (Borges 2000).
Além disso, indivíduos produzidos por propagação
vegetativa, geralmente possuem menor taxa de mortalidade do que plântulas
de idade similar, e tendem a alcançar a maturidade sexual mais
cedo, o que pode contribuir para o aumento das taxas de crescimento
populacional.
4- Conclusões
Diferenças nas estruturas de tamanho e de estádios ontogenéticos,
como observadas neste trabalho, levam a concluir que estudos que enfocam
variações espaciais dentro e entre áreas e as
características das espécies e seus habitats são
de fundamental importância para compreender melhor quais fatores
influenciam os processos populacionais.
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