Bertani, D.F. & Santos, F.A.M. 2003.
Estrutura de populações de Psychotria suterella,
espécie comum de sub-bosque, em paisagem fragmentada no Planalto
de Ibiúna, SP. Anais do VI Congresso de Ecologia do Brasil
2: 96-97.
Resumo expandido:
1. Introdução
Com o drástico aumento de modificações das paisagens
florestais como conseqüência de desmatamentos, a fragmentação
de ambientes naturais se tornou um fenômeno comum, principalmente
em regiões tropicais. Esses fragmentos diferem em tamanho,
forma, idade, histórico de perturbação e composição,
entre outros aspectos. Como conseqüência, populações
de muitas espécies tornaram-se pequenas e isoladas, fatores
que podem levar à sua extinção local (Lande 1988,
Menges 1991, Saunders et al.1991, Hanski & Gilpin1998). Alterações
no recrutamento de indivíduos, probabilidade de sobrevivência
e taxas de crescimento refletem na estrutura de tamanho de populações,
que variam no espaço e no tempo (Bianchini 1998). Muitos trabalhos
em conservação mostram a importância de estudos
de espécies raras, distribuídas regionalmente em pequenas
populações (Lande 1988, Morgan 1999), mas deve-se ressaltar
a grande importância de espécies dominantes, por seu
papel na estruturação da comunidade (Hartshorn 1990).
Seu estudo compreende uma informação valiosa pois a
manutenção destas espécies pode significar a
sobrevivência destes ambientes já reduzidos. Além
disso, os poucos estudos com plantas de sub-bosque, são em
sua maioria com palmeiras (Barot et al. 2000) e com enfoque em manejo
(Pinard 1993, Olmsted & Alvarez-Buylla 1995, Bernal 1998). Este
trabalho pretende relacionar questões envolvendo a estrutura
de uma espécie dominante de sub-bosque com aspectos de conservação
de uma paisagem florestal fragmentada.
2. Métodos
Área de estudo - Este estudo foi realizado em uma paisagem
formada por fragmentos de floresta tropical secundária do bioma
da Floresta Atlântica. A área de estudo localiza-se no
planalto de Ibiúna, no distrito de Caucaia, estado de São
Paulo (23°35’S a 23°50’S; e 46°45’W
a 47°15’W). O clima é do tipo Cwa (Köppen 1948),
temperado e chuvoso. A região se destaca por apresentar uma
das maiores florestas contínuas do estado, a reserva do Morro
Grande, com mais de 8.000 ha de Floresta Ombrófila Densa Montana.
Nas áreas próximas à reserva, a paisagem é
formada por fragmentos de Floresta Atlântica secundária
de vários tamanhos, conectados ou não, circundados por
área urbana, pastagens e áreas agrícolas. O estudo
foi desenvolvido em três fragmentos pequenos isolados, três
fragmentos pequenos conectados a fragmentos maiores, e três
áreas dentro da reserva do Morro Grande.
Espécie - A espécie escolhida para este estudo foi Psychotria
suterella Muell. Arg. (Rubiaceae), que apresenta hábito
arbustivo-arbóreo, alcançando até 7 m de altura,
típica de sub-bosque e freqüentemente encontrada em fragmentos
da região, em grande densidade. Trata-se de uma espécie
heterostílica, auto-incompatível e dependente de polinizadores
para formação de frutos e sementes (Lopes 2002). Os
principais polinizadores são abelhas do gênero Bombus
(entre outros gêneros menos eficientes), borboletas e beija-flores
(Lopes 2002). A florada de Psychotria suterella ocorre de
janeiro a março e a frutificação de setembro
a maio (Lopes com. pess.). Há evidências de reprodução
vegetativa para esta espécie, sendo a produção
de clones feita exclusivamente por estolões (Grandisoli 1997).
Coleta de dados - Os dados da estrutura foram obtidos através
de parcelas permanentes de 0,5 ha estabelecidas em três fragmentos
conectados (os fragmentos são identificados pelos nomes dos
proprietários): Maria (tamanho:1,70ha), Alcides (4,46ha) e
Luíza (3,30ha), três fragmentos isolados: Carmo Messias
(5,51ha), Tereza (1,97 ha) e Dito (4,97ha) e em três áreas
na floresta contínua do Morro Grande (áreas A, B e C)
com cerca de 2 km de distância entre elas. Todos os indivíduos
de P. suterella em 2001 foram marcados e numerados e foram tomadas
medidas de perímetro a altura do solo e altura.
Análise dos dados - Os fragmentos e as áreas do Morro
Grande foram agrupados segundo conexão a outros fragmentos
e isolamento, tamanho e estado de conservação (definido
a partir de caracterização qualitativa da presença
de lianas, abertura do dossel, presença de grandes clareiras,
densidade do sub-bosque e altura do dossel). As densidades dos indivíduos
de cada população foram comparadas por análise
de variância (ANOVA, Zar 1996) para cada um desses grupos. Para
análise comparativa da estrutura de tamanho (altura) das populações
entre os fragmentos foram calculados os coeficientes de Gini (G) e
as curvas de Lorenz (Weiner & Solbrig 1984). Os valores de G para
cada população foram comparados por usandose um teste
de Bootstrap (1000 repetições), usando o programa WINGINI
(Flavio A. M. Santos, UNICAMP).
3. Resultados e Discussão
Foram marcados e medidos 5.308 indivíduos de Psychotria
suterella em 4,5 ha amostrados. Não houve diferença
significativa na densidade de indivíduos (ANOVA; F=0,856; gl=2;
p=0,526) entre as áreas do Morro Grande (mata contínua)
e os fragmentos, conectados ou isolados. Também não
houve diferenças entre o número de indivíduos
em fragmentos pequenos, médios e grande (ANOVA; F=1,359; gl=2;
p=0,326). Entretanto, comparando-se os fragmentos classificados segundo
o estado de conservação, houve diferenças entre
o número de indivíduos amostrados (ANOVA; F= 34,418;
gl = 2; p=0,001), havendo um decréscimo da densidade de indivíduos
das populações conforme a diminuição do
grau de conservação de cada área. Assim, nos
fragmentos com menor grau de conservação: Maria (n=193
indivíduos), Tereza (n=85) e Carmo Messias (378), o número
de indivíduos foi menor, seguidos pelas áreas com grau
intermediário de conservação: Área C (n=347),
Dito (688) e Luíza (496), e as áreas com maior grau
de conservação: Alcides (n=1078), Área A (1079)
e Área B (964). As estruturas de tamanho das populações
diferiram para a maioria dos fragmentos. Esta diferença pode
estar relacionada com a heterogeneidade ambiental e histórico
de perturbação de cada área amostrada. Os fragmentos
Maria e Teresa apresentaram estrutura similar à maioria das
outras populações, diferindo apenas das populações
das Áreas B e C do Morro Grande e do fragmento isolado Carmo
Messias. O número baixo de indivíduos parece não
estar relacionado à distribuição de tamanho nas
populações desses fragmentos com baixo grau de conservação.
Porém, a estrutura de tamanho do fragmento Carmo Messias, que
também apresentou número baixo de indivíduos
e baixo grau de conservação, diferiu da maioria das
outras áreas, sendo similar apenas às Áreas B
e C do Morro Grande. Essas três populações apresentaram
baixo valor do coeficiente de Gini (0,34; 0,36; 0,34; respectivamente),
o que indica menor hierarquia na distribuição das alturas
dos indivíduos em relação aos outros fragmentos.
Assim, a proporção de indivíduos pequenos nessas
populações foi menos desigual comparando-se com a proporção
de indivíduos maiores.
4. Conclusões
A conexão entre os fragmentos não parece ser um fator
determinante na estruturação de populações
de Psychotia suterella. O histórico de perturbações,
tendo como conseqüência o grau de conservação
dos fragmentos, provavelmente é o fator que mais contribui
para o tamanho e estrutura populacional dessa espécie. O baixo
número de indivíduos e a menor proporção
de indivíduos jovens, comparando com outras populações,
pode estar indicando um declínio populacional em um dos fragmentos
estudados.
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