Martini, A.M.Z.; Santos, F.A.M. & Prado, P.I. 2003. Distribuição anual da chuva de sementes em ambientes perturbados e não-perturbados em região sob clima não-sazonal. Anais do VI Congresso de Ecologia do Brasil 3: 164-166.

Resumo expandido
1. Introdução
Em regiões de florestas tropicais, sob clima com forte sazonalidade, a tendência geral observada em relação à fenologia, chuva de sementes e dispersão de sementes é um pico de produção de propágulos no início da estação chuvosa, tanto em número de frutos produzidos, quanto em número de espécies produzindo frutos no período (Smythe 1970; Foster 1982; White 1994; Grombone-Guaratini e Rodrigues 2002). Considerando que as primeiras sementes a germinar podem ter vantagens no estabelecimento, as espécies seriam beneficiadas por uma estratégia de liberação de sementes maduras no início da estação chuvosa (Garwood 1989; White 1994). Nestes ambientes sob clima fortemente sazonal, as variações climáticas são tão pronunciadas que podem condicionar o comportamento de toda a comunidade, sobrepujando variações intra ou interespecíficas, decorrentes da heterogeneidade ambiental (Putz 1979). Entretanto, em ambientes tropicais não-sazonais, os curtos períodos de seca são ocasionais, imprevisíveis e com durações variadas e, consequentemente, a germinação não deve ser limitada em nenhum período definido do ciclo anual. De acordo com Putz (1979) a falta de sazonalidade pode acarretar em números altos e constantes de espécies em flor e fruto durante todo o ano, que podem ser o resultado de seleção para deslocamento temporal de nicho ou da combinação de processos estocásticos. Nestes ambientes, poderia ser esperada a ausência de picos de produção e dispersão de sementes (Putz 1979). Em ambientes intensamente perturbados, a presença marcante de espécies pioneiras, que tendem a produzir frutos durante longos períodos, ou mesmo durante todo o ano (Rathcke e Lacey 1985; Swaine e Whitmore 1988), seria esperada uma produção homogênea de sementes ao longo do ano. Além disso, a alta luminosidade, em função da ausência de um dossel fechado, e a alta pluviosidade, comum a ambientes tropicais não-sazonais, poderia induzir a uma maior produtividade de sementes em ambientes perturbados.
2. Objetivos
Os objetivos principais deste estudo foram: - Avaliar a distribuição temporal da chuva de sementes em ambientes perturbados (clareiras naturais e área sujeita a fogo) e não perturbados (sub-bosque) em uma região de floresta tropical sob clima não-sazonal. - Verificar se o número de espécies presentes na chuva de sementes está associado às variáveis climáticas de precipitação, temperatura média e fotoperíodo.
3. Metodologia
Em uma área de três hectares de florestas sem indícios recentes de perturbação na Reserva Biológica de Una (15º 10' S ; 30º 10' W), foram selecionadas as 6 clareiras naturais (formadas pela queda de uma ou mais árvores) mais recentes e de maior tamanho. A área de amostragem dentro das clareiras foi delimitada por um losango definido a partir dos troncos acima de 8 cm de dap na borda da clareira. Adjacente a cada uma destas clareiras, foram instaladas parcelas no sub-bosque com dossel fechado. Estas parcelas no sub-bosque possuíam o mesmo formato e área das clareiras adjacentes e estavam distantes das bordas das clareiras por, no mínimo, uma distância equivalente ao maior eixo da clareira. Em uma área distante cerca de 1 km da área citada acima, ocorreu um incêndio acidental em fevereiro de 1995. Nesta área, foram instaladas 6 parcelas com o mesmo formato, a mesma área e a mesma distribuição espacial que as clareiras na área citada acima. O mesmo procedimento foi repetido em uma área de floresta contígua à esta área queimada, na qual as parcelas foram instaladas no sub-bosque com dossel fechado. Dentro de cada uma das parcelas nos diferentes ambientes foram instalados 6 coletores de sementes de 0,5 x 0,5 m, num total de 144 coletores. O material caído nos coletores foi removido mensalmente durante um ano, foi seco em estufa e triado em laboratório. Todas as sementes acima de 1 mm foram separadas em morfotipos e quantificadas. O estudo foi realizado de janeiro a dezembro de 1999. Os dados climáticos foram fornecidos pelo setor de Climatologia da CEPLAC, para a estação climatológica localizada no município de Una, distante aproximadamente 15 km dos pontos de amostragem. Para verificar se existiu algum pico de chegada de sementes durante o ano, foi realizada uma análise adaptada da técnica “split moving windows”, em que o número médio de espécies em um grupo de meses (2, 3 e 4 meses) foi testada contra a média dos meses seguintes (em grupos de 2, 3 e 4 meses). Esta análise foi feita para cada ambiente separadamente. Para avaliar a significância das diferenças foi realizado um teste de Monte Carlo, alterando-se a posição dos números de espécies nos meses. Para verificar se o número médio e o número total de espécies cujas sementes chegaram aos coletores em cada ambiente esteve relacionado ao clima, foram realizadas análises de correlação de Spearman, entre o número de espécies (médio e total) e as variáveis de precipitação mensal, temperatura média e fotoperíodo. Considerando que as variações em número de espécies possivelmente são provocadas por condições climáticas ocorridas em períodos anteriores, também foram testadas as correlações com os dados climáticos do mês anterior e da média dos últimos três meses.
4. Resultados e Discussão
Foram amostradas 19.591 sementes, sendo que 15% destas foram encontradas nas clareiras naturais (C), 34% no sub-bosque adjacente às clareiras (SB), 35% na área queimada (F) e 16% na área de sub-bosque próxima à área queimada (MP). No total, foram registradas 139 morfo-espécies, das quais 69 ocorreram em C, 85 em SB, 54 em F e 70 em MP. Apesar de apresentar o maior número de sementes, a área queimada apresentou o menor número de espécies, o que poderia ser explicado por uma alta produção autóctone de sementes por espécies pioneiras que conseguiram se estabelecer nesta fase inicial. A predominância, nesta área, de sementes de Miconia mirabilis (MELAST), Cecropia pachystachya (CECROP), Henriettea succosa (MELAST) e Lepidaploa cotoneaster (ASTER) corroboram esta explicação, por serem todas espécies que ocorrem com freqüência na área queimada (obs. pessoal). O número médio de sementes por parcela não apresentou picos definidos, mas apresentou uma tendência de queda nos meses de agosto e setembro. Entretanto, a distribuição do número de sementes ao longo do ano, em cada ambiente, apresentou forte influência da distribuição das espécies mais abundantes. Por exemplo, Miconia mirabilis, representou de 35 a 55% do total de sementes nos ambientes, influenciando o aumento no número de sementes nos meses de junho e nos meses de novembro e dezembro, que correspondem aos picos de produção de sementes desta espécie. Da mesma forma, Cecropia pachystachya e Henriettea succosa influenciaram o aumento no número de sementes no primeiro semestre do ano na área queimada, enquanto Evodianthus funifer (CYCLAN) teve a mesma influência para as áreas de clareiras e do sub-bosque adjacente. Em relação ao número de espécies em cada ambiente foi possível observar, para os ambientes de clareiras e sub-bosque, uma diferença significativa no número médio de espécies coletadas entre os meses anteriores e posteriores a julho e agosto. Estas diferenças se mantiveram significativas para grupos de 2, 3 e 4 meses, indicando uma queda no número médio de espécies nos meses de julho, agosto e setembro, em relação aos meses anteriores. Na área de sub-bosque próxima à área queimada, foram encontradas diferenças significativas para grupos de 3 e 4 meses, entre os períodos anteriores e posteriores ao mês de setembro, indicando uma queda no número de espécies nos últimos meses do ano. Na área queimada não houve diferença significativa no número médio de espécies entre os meses, indicando que o número de espécies que chega ao solo nesta área perturbada se manteve constante durante o ano todo. A similaridade entre os padrões de distribuição de número de sementes e de número de espécies ao longo do ano parecem estar de acordo com as previsões de Foster (1982) e White (1994) de que os padrões de distribuição são similares, e o que se modifica é a ordem de magnitude das diferenças entre os meses, sendo esta menor para a distribuição do número de espécies. O número médio de espécies por mês foi correlacionado com as variáveis climáticas, somente para o sub-bosque adjacente às clareiras, indicando que um menor número de espécies esteve correlacionado a menores temperaturas e maior precipitação nos meses anteriores. Quando consideramos o número total de espécies por mês, os ambientes de clareiras, sub-bosque adjacente e subbosque próximo da área queimada apresentaram menor número total de espécies após um período de temperaturas mais baixas. Na área queimada não foi encontrada nenhuma relação entre o numero médio e o número total de espécies por mês e as variáveis climáticas. Possivelmente, a produção de sementes por espécies pioneiras (que predominam nesta área) não seja dependente de variáveis climáticas, em função das adaptações destas espécies em sobreviver em condições adversas. Os resultados apresentados corresponderam, em parte, ao esperado para ambientes não-sazonais (Putz, 1979), pela ausência de picos definidos de chegada de sementes ao solo. Em função da escassez de dados relativos a chuva de sementes em ambientes não-sazonais (Putz 1979), torna-se difícil a comparação dos resultados encontrados neste estudo. Entretanto, é marcante a diferença entre os padrões observados nesta área e os padrões observados em ambientes sazonais (Foster, 1982; White, 1994; Penhalber e Mantovani, 1997; Grombone-Guaratini e Rodrigues, 2002). A relação observada entre os períodos com menor número de espécies e as condições climáticas nos períodos anteriores sugerem que existe alguma influência das variáveis climáticas sobre a disponibilidade de sementes no solo da floresta nestes ambientes. Considerando que o mês de agosto do ano estudado (1999) foi um mês mais frio e mais úmido que a média dos últimos quatro anos na região, é possível que o menor número de espécies produzindo sementes nesta época do ano esteja relacionado às condições climáticas de curto prazo. Por outro lado, uma distribuição relativamente similar foi observada por Jackson (1981) em uma floresta baixo montana no Norte do Espirito Santo, que apresenta uma estação fria e levemente seca (julho-setembro), na qual o número de espécies na chuva de sementes foi menor. Considerando que o norte do Espírito Santo e o Sul da Bahia compartilham grande parte da sua flora (Thomas et al., 1998), seria interessante investigar se a composição de espécies estaria determinando esta distribuição, através de padrões cíclicos intrínsecos destas espécies. Para verificar se esta diminuição no número de espécies chegando ao solo no segundo semestre do ano representa um padrão cíclico nesta região ou encontra-se relacionada às condições climáticas de curto prazo é necessário o acompanhamento da chuva de sementes por um período mais prolongado. Dados sobre a chuva de sementes no ano seguinte nesta região estarão disponíveis em breve, permitindo uma análise mais aprofundada.
5.Referências Bibliográficas
Foster, R.B. (1982). The seasonal rhythm of fruitfall on Barro Colorado Island. Pp: 151-172 in Leigh, E. G. (ed). The ecology of a tropical forest. Smithsonian Institution Press. Washington DC.
Garwood, N.C. (1989). Tropical soil seed banks: a review. Pp: 149-209 in Leck, M. A., V. T. Parker & R. L. Simpson (eds.). Ecology of soil seed banks. Academic Press, Inc., San Diego, CA
Grombone-Guaratini, M.T.; Rodrigues, R.R. (2002). Seed bank and seed rain in a seasonal semi-deciduous forest in south-eastern Brazil. Journal of Tropical Ecology 18(1): 1-16.
Jackson, J.F. (1981). Seed size as a correlate of temporal and spatial patterns of seed fall in a neotropical forest. Biotropica 13(2): 121-130.
Penhalber, E.F.; Mantovani, W. (1997). Floração e chuva de sementes em mata secundária em São Paulo, SP. Revista Brasileira de Botânica 20(2): 205-220.
Putz, F.E. (1979). Aseasonality in malaysian tree phenology. Malaysian Forester 42: 1-24.
Rathcke, B.; Lacey, E.P. (1985). Phenological patterns of terrestrial plants. Annual Review of Ecology and Systematics 16: 179-214.
Smythe, N. (1970). Relationships between fruiting seasons and seed dispersal methods in a neotropical forest. American Naturalist 104: 25-35.
Swaine, M.D.; Whitmore, T.C. (1988). On the definition of ecological species groups in tropical rain forests. Vegetatio 75:81-86.
Thomas, W.W.; Carvalho, A.M.V.; Amorim, A.M.A.; Garrison, J.; Arbeláez, A. L. (1998). Plant endemism in two forests in southern Bahia, Brazil. Biodiversity and Conservation 7: 311-322.
White, L.J.T. (1994). Patterns of fruit-fall phenology in the Lopé Reserve, Gabon. Journal of Tropical Ecology 10: 289-312.