Ramos, F.N. & Santos, F.A.M. 2003.
Visitantes florais e polinização de Psycothria tenuinervis
(Rubiaceae): distância de bordas antrópicas e naturais.
Anais do VI Congresso de Ecologia do Brasil 3: 240-242.
Resumo expandido:
1.Introdução
Fragmentação florestal é a substituição
de grandes áreas de florestas nativas por ecossistemas economicamente
rentáveis para o homem, como pastagens, plantações
e granjas. Uma conseqüência da fragmentação
florestal é a formação de limites abruptos, ou
bordas, entre a floresta e a área desmatada. A primeira modificação
causada pela criação da borda é a mudança
nas condições abióticas, envolvendo mudanças
nas condições ambientais resultantes da proximidade
de uma matriz estruturalmente diferente. As mudanças microclimáticas
na borda dos fragmentos podem estimular modificações
bióticas diretas, como mudanças na composição
de espécies da borda, e pode resultar em modificações
bióticas indiretas, na interação entre espécies,
como na polinização (Murcia 1995). Bordas naturais (limites
entre florestas e rios, riachos, lagos ou campos naturais) também
podem apresentar diferenças abióticas e bióticas
do interior da floresta, assim como bordas antrópicas. Essas
diferenças também podem alterar características
e processos importantes das plantas e dos animais. Portanto, o objetivo
desse trabalho é conhecer se existem diferenças (1)
na comunidade de visitantes florais, (2) na freqüência
de suas visitas e (3) na produção de frutos e sementes
em indivíduos de Psychotria tenuinervis localizados
em bordas antrópicas, bordas naturais e no interior de um fragmento
florestal. Os poucos estudos realizados até agora sobre aspectos
reprodutivos e polinização de plantas em fragmentos
florestais relacionaram aspectos da polinização com
a redução do tamanho do fragmento ou com o seu grau
de isolamento. Nenhum estudo, de nosso conhecimento, examinou a variação
espacial no comportamento reprodutivo e na polinização
de plantas em fragmentos florestais, comparando bordas naturais com
bordas antrópicas. É importante avaliar quanto as possíveis
variações em polinização de plantas em
fragmentos florrestais são conseqüências de ações
antrópicas ou são apenas variações naturais
relacionados à heterogeneidade florestal (Casenave et al. 1998).
2. Métodos
A família Rubiaceae apresenta ampla distribuição,
principalmente nos trópicos, apresentando cerca de 400-500
gêneros. O gênero Psychotria é pantropical,
diversificado e a maioria das espécies são arbustos
heterostílicos. Psychotria tenuinervis Mill. Arg.
é um arbusto não clonal, heterostílico, com cerca
de 1 a 7 metros de altura, típico do subbosque da mata atlântica
do Rio de Janeiro. Essa espécie de planta foi escolhida devido
a sua ocorrência nos três ambientes de estudo e devido
a florescer e frutificar a alturas relativamente baixas. Esse estudo
foi conduzido em um fragmento de 1200 ha (22° 50’ S e 42°
28’ O) em Saquarema, RJ. A floresta da área de estudo
é rodeada por pastos e plantações, criando bordas
antrópicas. Dentro da mata existe um riacho de 2 a 5 m de largura
e 700 a 800 m de comprimento, criando bordas naturais com a floresta.
Portanto, o estudo foi conduzido em três ambientes: (1) a borda
da floresta com pastagem ou plantações (bordas antrópicas,
BA – até 50 m da zona de contato matriz/borda), (2) a
borda da floresta com o riacho (bordas naturais, BN – até
50 m da zona de contato matriz/riacho) e (3) o interior do fragmento
(IF - 200 m de qualquer borda). Para este estudo, foram demarcadas
aleatoriamente cinco áreas (repetições) de cada
ambiente sendo marcados 10 indivíduos de P. tenuinervis
em cada uma dessas áreas. A visita a flores de P.
tenuinervis foi acompanhada durante 10 dias claros em julho
e cinco dias em novembro (os meses em que foram observadas flores
abertas) de 2002. Os indivíduos observados foram escolhidos
por apresentarem quantidades de flores similares, para tentar minimizar
possíveis efeitos da quantidade de flores na atração
dos visitantes, sendo metade deles apresentando flores longe e a outra
metade brevestilas. As observações foram realizadas
das 7:00 as 16:00 hs, despendendo 60 min para observar 3 indivíduos
em cada repetição de cada ambiente por dia, sendo 10
min por indivíduo. Com o objetivo de determinar a produção
de frutos por inflorescência, foram quantificados frutos imaturos
e divididos pelo número de flores originalmente produzidas
em cinco infrutescência aleatórias por arbusto em cada
repetição. Para determinar a produção
de sementes por frutos, contamos o número de sementes de 15
frutos por arbusto, por repetição. Diferenças
entre os três ambientes foram testadas através de Análise
de Variância Hierárquica.
3.Resultados e Discussão
Quase metade (46,4%) dos 405 períodos de 10 min de observação
não apresentou visitas. Houveram 1359 visitas no total e não
houve diferença entre os morfos breve e longistila (c2 = 0.001;
df = 1; p = 0.99). Porém, houveram diferenças significativas
entre os ambientes, sendo que a maioria das visitas ocorreu nas BN
(71%), seguida de IF (19%) e BA (10%) (F = 21.1; df = 2, 12; p = 0.0001).
Além disso, foram encontradas mais espécies de visitantes
florais na BN do que em BA e IF (9, 5 e 3 espécies, respectivamente),
embora as diferenças não tenham sido significativas
(c2 = 3.3; df = 2; p = 0.19). Dentre as 11 espécies visitantes,
6 eram hymenoptera (5 abelhas e 1 vespa), 4 lepidoptera e 1 diptera,
sendo as abelhas os visitantes florais mais freqüentes, totalizando
quase 95% do total de visitas. Entre as abelhas, a espécie
exótica Apis mellifera (53% das visitas) e a nativa Trigona
fulviventris (29%) foram as espécies mais comuns observadas
visitando as flores de P. tenuinervis e foram as
únicas espécies encontradas nos 3 ambientes (BN, BA,
IF). Houve diferença significativa na visita de Apis mellifera
e Trigona fulviventris entre os três ambientes, sendo
que em BN ocorreu a maior taxa de visitas de ambas as espécies
e em BA ocorreu a menor (F = 19.7; df = 2, 12; p = 0.0002 and F =
19.9; df = 2, 12; p = 0.0002, respectivamente). Foi encontrada uma
relação positiva e significativa entre o número
de Apis mellifera e Trigona fulviventris forrageando
nas flores de P. tenuinervis (rs = 0.24; n = 1113;
p = 0.04). Além disso não foi observada nenhuma interação
agressiva ou agonística entre estas espécies, sugerindo
que a taxa de visita das abelhas nativas nas flores desse arbusto
não esta sendo influenciada pela presença da abelha
exótica. Os lepidopteros, por sua vez, foram mais freqüentemente
encontrados nas BN (82%) do que nas BA (18%) e IF (0%). As plantas
na BN apresentaram uma produção de frutos significativamente
maior, enquanto BA apresentou a menor produção entre
os ambientes (F = 14.2; df = 2, 12; p = 0.0007). Porém, não
houve diferença na produção de sementes por fruto
(F = 0.07; df = 2, 12; p = 0.93) e nem na densidade de indivíduos
reprodutivos de P. tenuinervis entre as áreas
(F = 3.1; df = 2, 12; p = 0.08), que apresentaram grande variação
entre repetições. Abelhas são os principais e
mais freqüentes visitantes florais e polinizadores das florestas
tropicais. Além das abelhas, borboletas e beija-flores são
os mais freqüentes visitantes florais de Psychotria.
Não é surpreendente que a exótica Apis mellifera
seja um dos mais freqüentes visitantes de P. tenuinervis,
pois ela esta sempre entre os principais visitantes florais de várias
comunidades vegetais da América, após a sua introdução
acidental neste continente, devido ao seu grande número de
operárias, grande raio de forrageamento e sua pouca especificidade
alimentar e de nidificação (Roubik 1989). A nativa Trigona
fulviventris também é um visitante floral comum
de várias espécies nativas nas Américas do Sul
(Gonçalves et al. 1996) e Central (Stone 1996) e outras espécies
do gênero também são encontradas visitando flores
de espécies de Psychotria (Castro & Oliveira 2002).
Essa abelha nativa parece ser o polinizador natural de P.
tenuinervis nesta área de estudo. A falta de interações
agressivas e de uma relação negativa entre essas duas
espécies de abelhas, além do fato de P. tenuinervis
ser muito comum na área de estudo, sugerem ausência de
competição entre elas. Apesar de várias espécies
de Trigona serem agressivas, T. fulviventris
forrageia individualmente e sem agressividade em flores, junto com
outras espécies de abelhas e vespas (Roubik 1989). Foram encontrados
maior taxa de visita e produção de fruto em indivíduos
de P. tenuinervis em BN, seguido por IF e depois
por BA, apesar de não existir diferença significativa
na produção de sementes entre os ambientes. Esses resultados
indicam que as bordas naturais parecem ser os melhores ambientes para
a reprodução de indivíduos de P. tenuinervis
enquanto as bordas antrópicas parecem ser os piores. Mudanças
no ambiente microclimático podem afetar aspectos reprodutivos
das plantas importantes para a polinização, como abertura
floral, deiscência da antera, receptividade estigmática,
produção de néctar, etc (Corbet 1990), assim
como a atividade do polinizador e o aborto de flores e frutos. Por
isso, na área de estudo, parece que o riacho não é
suficientemente largo a ponto de permitir aumento da irradiação
solar, da temperatura, e outras modificações das condições
climáticas da mata próximas a ele. Pelo contrário,
a proximidade com riacho talvez permita que a mata ao seu redor (BN)
seja mais amena do que no interior do fragmento. Como ambientes próximos
a riachos são geralmente mais úmidos e estáveis
(Herrera 1988), é provável que tenha sido encontrado
mais visitantes e maiores taxas de visitação nas BN
do que nos outros ambientes, devido as condições microclimáticas.
Esta sugestão é reforçada pela falta de diferença
significativa na densidade de indivíduos reprodutivos de P.
tenuinervis entre os ambientes, o que sugere que a densidade
de indivíduos e a disponibilidade de recursos não influencia
as taxas de visitas florais. Além disso, a produção
de frutos depende da qualidade e quantidade de pólen depositado
nas flores (Jules & Rathcke 1999) e das condições
abióticas do ambiente (Corbet 1990). Apesar da provável
condição mais amena, BN difere dos outros ambientes,
na quantidade de pólen depositado nas flores de P.
tenuinervis, já que eles partilham os mesmos visitantes
florais mais comuns. Em contraste, o oposto deve ocorrer em BA, onde
a menor taxa de visitação, visitantes florais e produção
de frutos devem ser resultado de uma maior variabilidade abiótica,
como aumento da irradiação solar e temperatura, por
exemplo, que são encontrados em bordas antrópicas, devido
à fragmentação (Camargo & Kapos 1995).
4.Conclusão
Apesar do número de estudos com habitats fragmentados aumentar
anualmente, a maioria deles investiga a influencia do tamanho dos
fragmentos nos seus objetos de estudo, poucos estudam relações
com as bordas dos fragmentos. Além disso existem poucos estudos
investigando direta ou indiretamente diferenças na polinização
de plantas entre distancia da borda dos fragmentos o que torna difícil
a comparação dos dados do presente estudo com a literatura,
reforçando a necessidade de estudos nesta área. Houve
uma redução na visita à flores de P.
tenuinervis, na freqüência de visitas e na produção
de frutos nas bordas antrópicas. A criação de
bordas antrópicas influencia a polinização de
P. tenuinervis e talvez estes resultados possam
ser extrapolados para outras espécies de plantas em áreas
florestais. Porém, as bordas naturais não foram similares
às bordas antrópicas. Ao contrário, elas foram
aparentemente os melhores habitats para a reprodução
de P. tenuinervis. Provavelmente, esta diferença
entre bordas ocorreu devido à largura do curso d’água.
Talvez, bordas naturais ao redor de rios grandes ou lagos sejam mais
expostas à mudanças nas condições abióticas,
como o aumento da temperatura e irradiação solar, similar
a bordas antrópicas. Portanto, mais estudos são necessários
para investigar as matas próximas a cursos d’água
de diferentes tamanhos, com o objetivo de verificar se elas são
sempre bons habitats para reprodução de plantas, ou
se, a medida que o corpo d’água vai aumentando, eesas
bordas naturais vão se tornando mais similares a bordas antrópicas.
5.Referencias Bibliográficas
Camargo, J. L. C. & Kapos, V. 1995. Complex edge effects on soil
moisture and microclimate in central Amazonian forest. Journal of
Tropical Ecology 11: 205-221.
Casenave, J. L., Pelotto, J. P., Caziani, S. M., Mermoz, M. &
Protomastro, J. 1998. Response of avian assemblages to a natural edge
in a chaco semiarid forest in Argentina. Auk 115: 425-435.
Castro, C. C. & Oliveira, P. E. 2002. Pollination biology of dystilous
Rubiaceae in the Atlantic rain forest, SE Brazil. Plant Biology 4:
640-646.
Corbet, S. A. 1990. Pollination and the weather. Israel Journal of
Botany 39: 13-30.
Gonçalves, S. J. M.; Rego, M. & Araujo, A. 1996. Abelhas
sociais (Hymenoptera: Apidae) e seus recursos florais em uma região
de mata secundária, Alcântara, MA, Brasil. Acta Amazonica
26: 55-68.
Herrera, C. M. 1988. Variation in mutualism: the spatio-temporal mosaic
of a pollinator assemblage. Biological Journal of the Linnean Society
35: 95-125.
Jules, E. S. & Rathcke, B. J. 1999. Mechanisms of reduced Trillium
recruitment along edges of old-growth forest fragments. Conservation
Biology 13: 784-793.
Murcia, C. 1995. Edge effects in fragmented forests: implications
for conservation. Tree 10: 58-62.
Roubik, D. W. 1989. Ecology and natural history of tropical bees.
Cambridge University Press, New York.
Stone, J. L. 1996. Components of pollination effectiveness in Psychotria
suerrensis a tropical distylous shrub. Oecologia 107: 504-512.