Ribeiro, M.T.; Ramos, F.N. & Santos,
F.A.M. 2003. Estrutura da comunidade arbóreo-arbustiva em um
fragmento de Mata Atlântica no Rio de Janeiro: Relação
com a distância das bordas antrópicas e naturais. Anais
do VI Congresso de Ecologia do Brasil 3: 299-300.
Resumo expandido:
1. Introdução
A Mata Atlântica é a cobertura natural de praticamente
toda região leste do Brasil, cobrindo 1.110.000 km² e
dezesseis estados brasileiros (Santos et al., 1998), sendo caracterizada
pela alta biodiversidade, pela presença de muitas espécies
endêmicas (Santos et al., 1998; Tabarelli et al., 1999) e pela
intensa ação humana. Atualmente, restam 5% da cobertura
original de Mata Atlântica no Brasil, distribuídos em
fragmentos (Santos et al., 1998). Apesar desta condição,
poucos são os estudos que levam a fragmentação
em consideração, ao mesmo tempo em que os estudos sobre
as mudanças que a fragmentação pode causar na
floresta são recentes e pouco disseminados. Na borda dos fragmentos,
ocorrem mudanças microclimáticas que podem acarretar
mudanças na estrutura da floresta (Metzger, 1999; Murcia, 1995;
Tabarelli et al., 1999). Bordas naturais, como o limite entre florestas
e rios, também podem apresentar variações microclimáticas
semelhantes às que ocorrem em bordas antrópicas de fragmentos.
Este estudo teve como objetivo verificar diferenças na estrutura
(densidade, área basal, volume) e nas distribuições
de altura e diâmetro do componente arbóreo-arbustivo
entre ambientes de interior, de borda natural e de borda antrópica,
de um fragmento de Floresta Atlântica.
2. Materiais e Métodos
O estudo foi realizado em um fragmento florestal no município
de Saquarema, RJ (22°50’S e 42°28’O). Nesse fragmento,
foi considerada Borda Antrópica (BA), o trecho em contato com
pastos ou plantações, até 50 m para dentro do
fragmento; Borda Natural (BN), o trecho do fragmento até 50
m da margem de um riacho e; Interior de Floresta (IF), qualquer área
distante 200 m de qualquer borda. Para cada ambiente foram demarcadas
5 áreas (repetições). Em cada repetição,
foram instaladas 5 parcelas de 10x10 m, totalizando 0,75 ha amostrados
(0,25 ha em cada ambiente). As plantas com perímetro à
altura do peito (PAP – 1,30 m) maior ou igual à 15 cm
foram etiquetadas e tiveram a altura e o perímetro medidos.
Os dados obtidos foram comparados entre os ambientes e entre as repetições
dentro de cada ambiente. A área basal e o volume das árvores
foram estimados a partir do diâmetro e altura e foram comparados
usando ANOVA e teste a posteriori de Tukey quando necessário
(Zar, 1996). As densidades entre ambientes e entre repetições
dentro de um mesmo ambiente, foram comparadas por uma ANOVA hierárquica
de dois níveis (Zar, 1996). Os dados de altura total e diâmetro
à altura do peito (estimado a partir do PAP) foram comparados
nos três ambientes e entre repetições através
de análises de diagrama de caixa (“box-plot”) (Wilkinson,
1992).
3. Resultados e Discussão
Foram amostrados 1194 indivíduos nos 0,75 ha (1592 ±
88,5 ind/ha). Destes, 390 indivíduos foram amostrados na Borda
Natural (BN) (1560 ± 207,4 ind/ha), 381 na Borda Antrópica
(BA) (1524 ± 255,9 ind/ha) e 423 no Interior do Fragmento (IF)
(1692 ± 550,7 ind/ha). Do total amostrado, 1114 eram árvores
vivas (1485,33 ± 99,6 ind/ha) e as outras 80 (7%) eram árvores
mortas em pé. Apesar do maior número de árvores
no Interior do Fragmento, a densidade de árvores em cada ambiente
não diferiu entre os ambientes (F2,12=0,29; p=0,76). Porém,
as densidades entre repetições dentro de um mesmo ambiente
diferiram significativamente (F12,60=2,88, p=0,003), indicando uma
variação grande, independente do ambiente. A maior variação
entre repetições ocorreu em IF, principalmente pelo
alto número de indivíduos amostrados em uma das repetições
(132 indivíduos). Uma única parcela não apresentou
nenhuma árvore com PAP >= 15cm, na Borda Antrópica,
enquanto todas as outras parcelas apresentaram pelo menos 6 indivíduos
amostrados. Em comparação com o estudo de Werneck et
al. (2000) no interior de um fragmento de floresta seca neotropical
no Triângulo Mineiro (MG), a densidade por eles encontrada foi
maior, de 1536 árvores vivas em uma área de 0,78 ha
(1969 ind/ha). Porém, se considerarmos que Werneck et al. (2000)
amostraram árvores com PAP>10cm, a densidade de árvores
na nossa amostra, sugere que em Saquarema, a densidade embora 25%
menor, pode ser semelhante ou maior do que aquela, considerando que
geralmente os indivíduos menores apresentam maiores densidades.
Oliveira-Filho et al. (1997) encontraram no interior de um fragmento
de floresta semidecídua na Reserva da UFLA (Lavras, MG) em
1992, 1343,3 ind/ha (DAP >= 5cm), valor mais próximo à
densidade encontrada em nosso estudo,talvez por causa do tamanho mínimo
amostrado por Oliveira-Filho et al. (1997), semelhante ao utilizado
aqui. Ambos os estudos citados acima foram feitos em interior de fragmento,
enquanto o presente trabalho amostrou áreas de borda e interior.
Assim, além de os ambientes por nós estudados apresentarem
densidades similares, a densidade de árvores do fragmento de
Saquarema, tanto na borda quanto no interior, se assemelha com aquelas
observadas no interior de outros fragmentos florestais. O diâmetro
na altura do peito (DAP) e a altura total não diferiram entre
ambientes (intervalos de confiança das medianas se sobrepõem).
No IF houve uma menor variação dos diâmetros e
alturas das árvores, enquanto na BN essa variação
foi maior. Nota-se que apenas na Borda Natural, todas as repetições
tiveram árvores com 20 metros ou mais, enquanto que na BA e
no IF, algumas repetições apresentaram árvores
que não ultrapassaram 15 metros, indicando que na Borda Natural
a altura de dossel foi menos variável entre as diferentes repetições.
Estes dados indicam grande variação interna em todos
os ambientes. Assim, possíveis diferenças entre ambientes
devido à fragmentação podem ser encobertas pela
grande heterogeneidade no tamanho das árvores dentro de cada
ambiente. A área basal total foi 24,8 m²/ha e o volume
total foi 436,3 m³/ ha. A área basal diferiu significativamente
entre os três ambientes (F2,12=3,196; p=0,048), com a BN apresentando
a maior área basal (32,46m²/ha), diferindo dos demais
ambientes, BA (19,94m2/ha) e IF (22,02 m²/ha), que não
foram significativamente diferentes. Da mesma forma, o volume foi
maior na BN (603,99 m³/ha) do que nos outros ambientes (F2,12=5,260;
p=0,008), que não diferiram significativamente entre si. Em
BA, a densidade foi 309,62 m³/ha enquanto IF apresentou 395,41
m³/ha. Dentro de cada ambiente, as repetições não
foram significativamente diferente entre si tanto quanto ao volume
(F12,60=0,688; p=0,756) quanto à área basal (F12,60=0,578;
p=0,851). Repetições com densidades altas e baixas apresentaram
áreas basais semelhantes. O volume das árvores também
variou bastante dentro dos ambientes. A diferença significativa
da área basal e do volume das árvores da Borda Natural
em relação aos outros ambientes, pode indicar que, apesar
dos três ambientes apresentarem densidades, alturas e diâmetros
semelhantes, a Borda Natural apresenta árvores mais altas e
grossas.
4. Conclusão
Estudos sobre fragmentação encontraram que as áreas
de borda de florestas, assim como fragmentos pequenos, nos quais grande
parte de suas áreas está próxima à borda,
apresentam menor média de altura do dossel, maior densidade
de árvores e maior proporção de árvores
menores em relação a interiores de fragmentos (Oliveira-
Filho et al., 1997; Metzger et al. 1997). Os únicos parâmetros
que diferiram entre ambientes foram a área basal e o volume
das árvores, sendo maior na Borda Natural, indicando que este
ambiente possui árvores de maior tamanho. Porém, a maioria
dos parâmetros estudados (diâmetro, altura, área
basal e densidade) não diferiu significativamente entre ambientes.
Enquanto entre repetições dentro de cada ambiente, a
variação da maioria dos parâmetros foi significativa.
Isto nos indica que os ambientes estudados apresentam grande heterogeneidade,
com diferenças não relacionadas ao ambiente. Ou seja,
estar próximo a rio, próximo à borda do fragmento
ou no interior deste, possivelmente tem um menor efeito do que outros
fatores, como a presença de clareiras, o histórico de
perturbações do local, o solo, a idade da borda e o
tipo de matriz, no caso da borda antrópica (Oliveira-Filho
et al. 1997; Murcia, 1995). A grande semelhança apresentada
entre ambientes e a heterogeneidade dentro dos ambientes indica que
a distância em relação às bordas estabelecidas
neste estudo não foram suficientes para observar diferenças
das comunidades de cada ambiente. Na literatura, encontram-se diferentes
distâncias da borda onde é possível observar variações
no microclima ou na estrutura da comunidade, de forma que esta distância
varia de acordo com muitos fatores, como a matriz, o tamanho do fragmento,
o tipo de formação florestal e o parâmetro estudado
(Gehlhausen et al. 2000; Murcia 1995; Didham & Lawton, 1999).
Assim, talvez o que foi considerado interior do fragmento apresente
variações decorrentes das mudanças causadas pela
borda e neste caso, seria necessário uma distância maior
entre o interior do fragmento e as bordas do que 200m. Por outro lado,
ao delimitar como área de borda um trecho de até 50m
de distância da matriz ou riacho, pode ser que não atingimos
a comunidade árboreo-arbustiva da borda do fragmento e do rio.
Talvez para isto, seria necessário diminuir a distância
das parcelas dos ambientes BA e BN em relação à
borda. Mais estudos, incluindo uma caracterização do
microclima em diferentes distâncias a partir da borda ,seriam
necessários para diferenciar estas duas alternativas.
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